segunda-feira, 25 de maio de 2009

A SERRA

Serra da Canhanga ZIN
Estas letras querem dizer em bom Português,"Zona Intervenção Norte": Um dia de manhã "montamos-nos" nas viaturas, sob o comando de um oficial com a graduação de alferes da companhia 1494. Saímos do nosso aquartelamento e lá vamos nós bater picada
de terra batida poeirenta, porque era verão em Angola. O capim quase não deixava ver o rodado por onde as viaturas deviam passar.
Raramente sabíamos para onde íamos, e o nosso lema era "bico calado", até porque nas viaturas, no vidro da frente, tínhamos aplicado o desenho de um Mocho,ideia do Alferes Borges,Homem de poucas palavras e que é actualmente um meritíssimo Juiz em Lisboa. Foi com agrado que o voltámos a rever recentemente,no último almoço organizado em Porto de Mos, sob a organização do meu amigo Amândio V. Matos, no dia 9 de Maio de 2009.

Feitos alguns Quilómetros nas viaturas, eis que chegamos à zona do Songo mais propriamente com destino à Serra da Cananga. Santuário de Guerra, era no cimo desta serra que havia um agrupamento de voluntários, uma espécie de forte segundo disseram, todo armadilhado nas redondeza para que ninguém se aproximasse.

Ao sairmos das viaturas numa zona relativamente baixa(vale,onde abundava quantidade de árvores de café, principiamos a nossa aventura. Ao prepararmos-nos, de repente sucede-se uma forte tempestade de tropical juntamente com relâmpagos, que durou
todo o tempo até chegarmos ao nosso objectivo. Para subir esta Serra, já de noite íamos agarrados uns aos outros e só se vislumbrava algo, quando do clarão dos relâmpagos .
Nesta passagem pela mata, numa questão de minutos, formou-se um autêntico rio. A água dáva-nos pelos ombros e alguns de nós tiveram de ser puxados uns pelos outros, afim de não sermos arrastados pela corrente.
Chegados ao cimo da serra todos encharcados, os militares que aí estavam já nos esperavam.
Emprestaram-nos aquilo que puderam,afim de passarmos a noite. Amim tocou-me o empréstimo de um cobertor. Enrolei-me nele e assim passei toda a noite em cima de um ordinário colchão de cimento, nu.
Outros Soldados com menos sorte pernoitaram toda a noite em plena mata, encostados às árvores debaixo de uma tempestade tropical. Um deles, o José Godinho das quintas da Borralheira Telhado.

Na manhã seguinte toca a erguer que é dia. Como pequeno almoço, uma bisnaga não sei de quê,vestimos o camuflado tal e qual o tínhamos tirado no dia anterior. Como o tempo melhorou, este secou no corpo e lá continuamos o patrulhamento pelas aéreas estabelecidas. Durante três dias alimentados a ração de combate, a água escasseava e não a encontrávamos.
Depois desta operação com nome que já não recordo, nada encontramos que estivesse relacionado com o inimigo. Apesar do segredo, eles mediam bem os passos que a tropa portuguesa dava.
Todas as saídas que nós tropa na altura fazíamos, eram sempre baseadas no mesmo sentido: encontrar o inimigo.

4 comentários:

ILIDIO CARRAJOLA disse...

PARABENS AMIGO ANGELO PLO TEU TESTEMUNHO, COMPANHEIRO DA MESMA GUERRA, AGORA RESTA-NOS A SAUDADE PASSADA NAQUELAS TERRAS LONGINQUAS MAS COMO DIZ O POETA, TUDO VALE A PENA QUANDO A ALMA NAO E' PEQUENA, CONTINUA PORQUE TENS ESPIRITO.UM ABRAÇO DESTE TEU COMPANHEIRO DOS BONS E MAUS MOMENTOS.ILIDIO CARRAJOLA

Joaquim Angelo disse...

Obrigado pelo elogio amigo Carrajola esta história é simplesmente uma pequena brincadeira mas é para continuar.....

Paula Neto Arruda disse...

Exmo. Senhor,

Gostei muito do seu blog. O meu pai chamava-se Joaquim Carlos Neto Arruda (Alf. Inf. Res. 1ªCVDC/OPV), e comandava a primeira companhia Companhia de Voluntários que foi à Serra do Cananga e estabeleceu a sua fortificação, logo no início da Guerra. O meu pai não nos falava muito desses tempos. Contou-me que desarmava os combatentes ("terroristas") e os mandava embora após descobrir que os que entregava ao exército eram muitas vezes executados. Também me ensinou que se devem sempre respeitar os adversários, porque também eles combatem por uma causa em que acreditam. Que isto lhe valeu a vida uma vez que, andando só com o seu motorista e tendo o mesmo parado por necessitar de fazer uma "necessidade fisiológica", o meu pai se sentou desarmado em cima do capô do jipe. De repente apareceram cerca de 12 adversários. O meu pai deu-lhes as boas tardes e um a um responderam também "boa tarde" e seguiram o seu caminho. Sei também que foi ferido em combate. Li numa revista que lhe chamava "O herói do Zalala" e que após ter sido ferido pediu que o ligassem, combateu um dia mais um dia e meio. Regressou a Luanda, tomou um duche, pediu que o ligassem de novo, foi apresentar o seu relatório ao Governador Geral, e, uma vez que tinham sido colegas no Colégio Militar, o mesmo o convidou para tomarem uma bebida. Não chegou a tomá-la... mal saíram do Palácio caiu redondo no chão. Teve bastante tempo em coma e mais de três meses no hospital em risco de vida. Tinha as costas e os pulmões cheios de estilhaços. Viveu ainda muitos anos, mas os últimos acamado e ligado a uma botija de oxigénio, devido aos danos causados pelos ferimentos sofridos. Era uma pessoa cheia de vida e com imensa tolerância e aceitação para com os outros. Um dia enchi-me de coragem e perguntei-lhe, tendo sido ele sempre a favor da independência de Angola, como é que ele tinha ido para a guerra. Falou-me da Pátria que temos que servir, de civis, mulheres e crianças, que estavam a ser mortos, de que não era assim que a independência deveria ser levada a cabo. Desde sempre me lembro de, antes de se deitar, necessitar de ficar um tempo só e em sossego - explicou-me que nunca esquecera o rosto de cada um dos homens que teve que matar, e que pensar neles e rezar por cada um deles era a única coisa que podia fazer para que nunca fossem esquecidos. Isto ensinou-me que a guerra é uma coisa horrível, mas ensinou-me também que nunca devemos esquecer os que de ambos os lados se defrontam, que os devemos respeitar e honrar a memória de todos os combatentes, e mais ainda daqueles que fizeram o sacrifício supremo em prol do que acreditam.
Acho que, na verdade, o meu pai foi sempre um combatente - aos 12 anos entrou para o Corpo Revolucionário, aos 13 ajudava espanhóis a passar a fronteira para Portugal e entregava-os à Cruz Vermelha para que os levassem para a segurança de outros países, aos 14 foi pela primeira vez espancado pela PIDE. Nunca deixou de expressar as suas ideias, de viver de acordo com as suas convicções.

Deixou-nos esse legado. Nós não esquecemos e Deus o abençoe Sr. Ângelo por não nos deixar esquecer,

Paula

Joaquim Angelo disse...

Há imensos lugares comuns, a todos os Ex combatentes que participaram nesta guerra, embora muitos deles possam nem se ter cruzado. Foram uns substituindo os outros sistematicamente.
Eu felizmente regressei e com alguma sorte mantive-me vivo. Mas não escapei a algumas mazelas de saúde deixadas pela guerra, que começaram a surgir ainda durante a estadia em Angola.
Lamento a má sorte do seu pai, mas estou seguro que terá dado um excelente contributo pela Pátria e perante os seus militares de grupo de combate.

Muitos de nós militares, na altura, éramos obrigados a fazer aquilo que nem sempre estava ligado às nossas convicções.
Era uma questão se salvaguardar a nossa sobrevivência, a nossa vida… na guerra ou se mata ou se morre.
Os responsáveis foram aqueles que nos impingiram a situação…
Juro-lhe que em todo o Norte de Angola havia guerra a sério, e em especial no pico da serra da Cananga.
Era difícil de sobreviver no ano de 1961, era mesmo um autêntico barril de pólvora!
O seu pai era um SOBREVIVENTE.
Muito obrigada pelo seu testemunho.